Crônica de Maria Rita Kehl, psicanalista e jornalista , publicada no jornal O Estado de São Paulo, dia 6 de fevereiro.Uma lindeza!
Deixem de preguiça e leiam refletindo;é uma aula de auto-conhecimento(era assim que eu fazia meus alunos universitários lerem um texto;bem pinocheteana, hehehhe)
Deixem de preguiça e leiam refletindo;é uma aula de auto-conhecimento(era assim que eu fazia meus alunos universitários lerem um texto;bem pinocheteana, hehehhe)
"Além da combinação única e aleatória de proteínas, aminoácidos, H2O e tal, sou feita de quê?De tempo, assim como vocês.Tempo vivido e tempo imaginado.Feita de passado, o de meus ancestrais, transmitido pelos gens, a cultura, o inconsciente, mais a história de vida que me trouxe até aqui.
É só o que temos: um corpo e uma história, já que o presente é uma partícula, deletado tão logo eu acabe de escrever.E o futuro, lamento dizer, não existe!
A não ser é claro , sob a forma de fantasias e e projetos.Mas, fantasias e projetos são feitos de quê? De restos, de fiapos, pedaços não resolvidos do passado.
No futuro só o que existe na certa é a morte esperando a gente.
Deixe quieto.
Àqueles dez anos inaugurais de inquietação e peplexidade, chamo de infância.Tão minha e tão perdida.Ao longo período da dita maturidade eu me refiro como "outro dia mesmo".
Já o pedaço da vida que vai do fim da adolescência(aquela chatice!) até os 30 anos, mais ou menos, costumo chamar de "o meu tempo"
Nisso não estou sozinha.Prá muita gente é a referência óbvia para "meu tempo"....é a juventude.Os anos de formação, como diziam os românticos do XIX.Período das experiências que definiram o que pretendíamos ser, assim como as promessas que continuam a acenar no horizonte das possibilidades.
Um bom amigo que morre de medo de se tornar ultrapassado, costuma me contestar com outro refrão:meu tempo é hoje! Mas Paulinho da Viola que canta o verso de Wilson Batista, "meu mundo é hoje", tem lá suas ressalvas ao império do presente absoluto:"....mas não me altere o samba tanto assim".
Defendo o modesto passadismo do sambista.A juventude é um período movediço em que se vai meio às cegas por caminhos excitantes, ou idiotas, ou desastrosos sem saber o que se quer encontrar .Daí a necessidade de estabelecer a posteriori, alguma solidez pelo menos às recordações daquele tempo.
Redescobrir na memória um filme já superado e atribuir a ele significados incríveis; reler um livro que nos fez a cabeça aos 20 anos(Sidarta, todo mundo lia- que não li sei lá por quê);reencontrar a praia dos melhores verões como se ainda fosse deserta, passar pela rua onde a casa que foi comunidade hippie está para virar um prédio.São tentativas de consolidar aquele riquíssimo período em que se estabeleceu, por tentativa e erro, nossas grandes referências exogâmicas, cosmopolitas, universais.
Tem gente que entra na juventude como se o mundo fosse continuação do quintal familiar, vai de cabeça, sem medo, sem nem se dar conta que caminha no escuro.Faço parte de outro grupo: para mim, tudo era grande demais.Eu ia, ansiava por ir, mas com um respeito danado pela imensidão à minha frente.
Por isso, meu tempo não foi tecido apenas das coisas que efetivamente fiz.Sou fiel ao que fiquei devendo à minha geração, essa rede de identificações imaginárias a que julgamos pertencer.
A história daquilo que não fiz é minha biografia em baixo-relevo, indelével como todos os desejos não realizados"
Obs: Isso é que é um Texto! Com T maiúsculo.
Me identifiquei total.Eu li Sidarta, do Herman Hesse, aos 20 e uns...
É só o que temos: um corpo e uma história, já que o presente é uma partícula, deletado tão logo eu acabe de escrever.E o futuro, lamento dizer, não existe!
A não ser é claro , sob a forma de fantasias e e projetos.Mas, fantasias e projetos são feitos de quê? De restos, de fiapos, pedaços não resolvidos do passado.
No futuro só o que existe na certa é a morte esperando a gente.
Deixe quieto.
Àqueles dez anos inaugurais de inquietação e peplexidade, chamo de infância.Tão minha e tão perdida.Ao longo período da dita maturidade eu me refiro como "outro dia mesmo".
Já o pedaço da vida que vai do fim da adolescência(aquela chatice!) até os 30 anos, mais ou menos, costumo chamar de "o meu tempo"
Nisso não estou sozinha.Prá muita gente é a referência óbvia para "meu tempo"....é a juventude.Os anos de formação, como diziam os românticos do XIX.Período das experiências que definiram o que pretendíamos ser, assim como as promessas que continuam a acenar no horizonte das possibilidades.
Um bom amigo que morre de medo de se tornar ultrapassado, costuma me contestar com outro refrão:meu tempo é hoje! Mas Paulinho da Viola que canta o verso de Wilson Batista, "meu mundo é hoje", tem lá suas ressalvas ao império do presente absoluto:"....mas não me altere o samba tanto assim".
Defendo o modesto passadismo do sambista.A juventude é um período movediço em que se vai meio às cegas por caminhos excitantes, ou idiotas, ou desastrosos sem saber o que se quer encontrar .Daí a necessidade de estabelecer a posteriori, alguma solidez pelo menos às recordações daquele tempo.
Redescobrir na memória um filme já superado e atribuir a ele significados incríveis; reler um livro que nos fez a cabeça aos 20 anos(Sidarta, todo mundo lia- que não li sei lá por quê);reencontrar a praia dos melhores verões como se ainda fosse deserta, passar pela rua onde a casa que foi comunidade hippie está para virar um prédio.São tentativas de consolidar aquele riquíssimo período em que se estabeleceu, por tentativa e erro, nossas grandes referências exogâmicas, cosmopolitas, universais.
Tem gente que entra na juventude como se o mundo fosse continuação do quintal familiar, vai de cabeça, sem medo, sem nem se dar conta que caminha no escuro.Faço parte de outro grupo: para mim, tudo era grande demais.Eu ia, ansiava por ir, mas com um respeito danado pela imensidão à minha frente.
Por isso, meu tempo não foi tecido apenas das coisas que efetivamente fiz.Sou fiel ao que fiquei devendo à minha geração, essa rede de identificações imaginárias a que julgamos pertencer.
A história daquilo que não fiz é minha biografia em baixo-relevo, indelével como todos os desejos não realizados"
Obs: Isso é que é um Texto! Com T maiúsculo.
Me identifiquei total.Eu li Sidarta, do Herman Hesse, aos 20 e uns...
Fui ao dicionário saber o que significa exogâmico."Referências exogâmicas" são aquelas que adquirimos fora da família.
3 comentários:
Ela é incrível mesmo.Dá até vontade de fazer umas sessões de análise com ela.
13 de fevereiro de 2010 às 06:48Salete Lemos
Unicid
Gostei do texto.Mas não é fácil de ler.Bonito quando ela fala na biografia em baixo relevo.Todos temos nossos baixos relevos.Só uma psicanalista mesmo para ter essa "sacada".
13 de fevereiro de 2010 às 07:53Helô
A complexidade da questão do tempo muito bem trabalhadaneste texto da Rita , mas ainda um pouco erudito para a faixa média de leitores.
16 de fevereiro de 2010 às 10:40F.V.
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